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quinta-feira, dezembro 17, 2009

Fim de ano: festas cristãs... ou não

Bom, esse assunto de final de ano é mais complexo do que parece, porque a ligação entre a contagem dos anos e as comemorações natalinas são diretamente ligadas ao Cristianismo, e entre os membros da banda temos uma bela diversidade de credos e fé. Como todos sabem, nosso calendário é um calendário que conta os anos a partir do "nascimento de Jesus Cristo" (muitas aspas). E que, todo final de ano, tem o Natal, data cristã que comemora o nascimento dele.
Bom, para começar, isso é um disparate. O Natal é a festa 'cristã' mais pagã do mundo, e muitos evangélicos já se ligaram nisso, por isso não o comemoram no sentido religioso, apenas no lado capitalista mesmo. A Igreja Católica, sobre a qual respeitosamente irei me abster de comentários, é uma instituição que historicamente, por um milhão de motivos, agregou muitos elementos pagãos em seu seio - ao mesmo tempo que os perseguia ou matava. Um exemplo emblemático desta situação é o famoso episódio de São Bonifácio (o padroeiro da Alemanha, que é um santo inglês e atendeu pelo nome pagão de Wynfrith), quando derrubou o carvalho sagrado consagrado ao Deus Thor, e construiu uma pequena capela a partir da sua madeira, no local onde hoje há uma Catedral.
Para os romanos cristianizados, 'pagão', além de significar 'não-cristão', também tinha um contexto de 'caipira', 'rústico', uma vez que a religião dos homens cosmopolitas, urbanos e poderosos do Império era o Cristianismo. Cultuar a natureza de forma politeísta, não era simplesmente uma heresia. Era também ridículo, e uma religião camponesa. Como poderia dizer? - religião de pobre. Algo como 'falar com as árvores'.

A Irlanda tem uma grande herança pagã. Pagã - no sentido do termo que o neo-paganismo europeu do século XIX e XX se apropriou, não simplesmente o não-cristão, mas religiões célticas politeístas da antiguidade tardia e Alta Idade Média. O que é um grande contraste com os contemporâneos e históricos conflitos entre protestantes britânicos e católicos irlandeses. Hoje o catolicismo é uma das características mais marcantes do povo e da cultura irlandesa, uma de suas maiores heranças, e uma de suas grandes conquistas. Instituição e credo que manteram, a unhas e dentes, mesmo sendo deportados, torturados, desterrados, assassinados e esterelizados pelo invasor inglês protestante. Porém, o catolicismo irlandês tem uma característica que o diferencia do catolicismo ibérico ou italiano, que é o fato de que a Irlanda não foi um território romanizado. O catolicismo não foi uma marca da colonização romana, e sim o trabalho de conversão e batismo empreendido pelos esforços pessoais de uma série de monges e sacerdotes, que teve início com o trabalho do evangelizador Patrício, ou Patrick, ou Pádraig, que hoje é o famoso padroeiro da Irlanda e patrono do dia que celebra a cultura irlandesa, o St. Patrick's Day (Dia de São Patrício, um feriado católico). Embora a instituição seja a Igreja Católica Apostólica Romana, o fato da conversão irlandesa não ter partido diretamente do domínio romano fez com que esta religião tomasse ares e configurações próprias, com influência direta do paganismo tanto na liturgia, ou seja, a roupagem, quanto na própria profissão de fé. A substituição da Deusa Mãe pela Virgem Maria é um exemplo de como muitas vezes as coisas eram apenas renomeadas (isto não quer dizer que este processo ocorreu apenas na Irlanda).
A Cruz Celta é um excelente exemplo disso.

A incorporação de elementos pagãos no símbolo máximo do cristianismo, tais como o famoso padrão do Nó Celta, é uma característica marcante do catolicismo irlandês. A cruz celta, a nível de curiosidade, também foi apropriada pelos presbiterianos (protestantes) escoceses, e infelizmente pelos neo-nazistas, sendo um dos símbolos do movimento White Power (poder branco). Comparemos a imagem acima com a imagem abaixo:


Esta é a chamada Pedra de Odin (representa este Deus montado sobre seu cavalo de oito patas). Os nórdicos (vikings) influenciaram muito a cultura irlandesa, como se pode perceber pela semelhança entre os padrões de nós desta inscrição com os nós irlandeses.

Agora vamos ao Natal. Ah, o natal... nascimento do salvador, o menino esperado, o grande, fabuloso e santo... Deus Mitra. É, isso mesmo, Jesus que nada. Esta grande festa, originalmente, era consagrada ao Deus favorito dos soldados romanos.
Quando se fala em expansão do Império Romano, muito se diz das influências que espalharam. Mas, e as milhares de influências que sofreram? E que influenciaram o mundo romano no seu âmago? O Mitraísmo é uma religião persa, que se tornou muito popular entre os legionários e centuriões romanos em campanha nas províncias orientais, regiões fronteiriças e outrora integrantes do mítico Império Persa, um dos maiores, mais influentes e mais duradouros impérios do mundo. Para que se tenha uma noção, se falava o Aramaico na época de Jesus Cristo, inclusive pelo próprio, na região da Judéia e Palestina. O Aramaico é uma variedade de línguas semitas distintas do árabe ou do hebraico, e foi língua imperial e administrativa de uma série de Impérios da região, incluindo o próprio Império Persa.

O Deus Mitra é uma divindade indiana que foi bastante difundida pela Pérsia (atual Irã) e que convivia com o Zoroastrismo, religião oficial do Império Persa Aquemênida, religião esta monoteísta que cultuava um deus chamado Ahura Mazda. Mitra é uma divindade relacionada ao sol, e o sincretismo de sua religião com diversos outros cultos solares levou á uma religião que chegou a ser adotada como oficial no Império Romano por algum tempo, chamada Sol Invictus. O solstício de verão era uma data ritualística (o que faz sentido, uma vez que é uma religião solar) e o dia 25 de dezembro era a data do ritual romano do nascimento da divindade Sol Incvictus (Mitra). Existiam muitos templos e adeptos de Mitra por todo o Império Romano (foi encontrado inclusive um templo mitraísta perto da Muralha de Adriano, na fronteira entre a Escócia e a Inglaterra), e segunda principal religião romana, também incluído o paganismo céltico.

O brilhantismo imperialista dos Romanos é a sua capacidade de se adaptar, de tomar elementos de todas as culturas que conquista e os transformar em algo diferente. Se reparar bem, todos os elementos da cultura romana foram apropriados de outras culturas: A arquitetura, filosofia, indumentária, formação militar, armaduras e muitos outros aspectos da vida romana eram inspirados nos moldes gregos e etruscos. Os famosos lanceiros leves dos exércitos romanos eram versões romanas dos bravos peltastas trácios. O símbolo de javali nos escudos destes lanceiros, a pele de animal que usavam eles e os porta-brasões das legiões, e o famoso gládio (a espada curta romana que inspira o nome Gladiador) são apropriações dos guerreiros celtas espanhóis e gauleses, e por aí vai. Em relação à religião, não foi diferente. O paganismo politeísta, primeira grande religião oficial da República e do Império Romano, já era uma apropriação da religião olímpica politeísta da Grécia. O Cristianismo também foi uma apropriação, e o Mitraísmo também. E mesmo uma vez apropriados, eles não se manteram estáveis. Foram transformados, dados a eles uma roupagem romana. A maior parte das concepções cristãs estão ligadas à cultura pagã. Os fundamentos históricos do judaísmo hebreu arcaico, da época dos antecessores de Cristo, também foram influenciados e metamorfoseados por influência de religiões mesopotâmicas, egípcias, romanas, etc.

Ok, falei pra cacete. Mas por que? O que eu quero concluir de tudo isso?

Simples. O Natal não é uma festa cristã. É uma adaptação de um outro ritual, de uma outra religião, que por sua vez também se apropriou de milhares de outras crenças até chegar onde chegou. E isso não é anormal. O que estou tentando dizer é que as religiões são como histórias, que são contadas e recontadas, e ganham novas roupagens - mas tem quase sempre o mesmo final, e tem origens em comum. É por isso que mesmo eu não sendo cristão, pagão, ou ateu, eu dou valor ao Natal. Mas um valor diferente, não o nascimento de uma única divindade. Mas a comunhão de todas. Eu me utilizo do Natal para ficar junto da minha família e das pessoas que amo. De uma forma cristã? Um pouco, não há muito como fugir disso, dado nosso contexto histórico. Não existe religião pura, não existe povo ou raça pura. É tudo uma grande suruba!

FELIZ NATAL! (SEJA LÁ O QUE ISSO SIGNIFIQUE!)

- Caio Gregory

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